Thursday, November 19, 2009

Buscando cristais

Ele tinha os olhos de um azul meio embaçado, leitoso, e um sorriso largo, e um tanto timido.
Devia ter mais de sessenta anos, e falava repetindo baixinho frases ou pedaços de frases que acabara de dizer.
Com pouco mais de um metro e sessenta e cinco de altura, tinha o rosto marcado por rugas da idade e, como vim a saber mais tarde,  de muitos anos de exposição ao sol, caçando pedras preciosas e encontrando cristais de quartzo no cerrado em que a cidade fora construida.

Chegara ali em 1958, a cidade ainda em construção. Numa das levas que trouxe milhares de brasileiros para os improváveis canteiros de construção em pleno planalto central, a capital de um país inteiro sendo transladada em poucos anos desde a beira de um mar azul, encravada numa baía de uma beleza difícil de descrever em palavras, para um semi-deserto de céu muito azul e chuvas torrenciais, tão longe do mar quanto da história que até ali se contara, do país.

Veio como operário, mas logo se encantou com a idéia de encontrar uma pedra brilhante, e passava dias de folga enterrado em valas no noroeste da cidade, recolhendo cristais. Recolhendo, porque os brotões e as valas com as pedras brotando estavam quase a céu aberto. Ele cavava um pouco, recolhia os cristais, e os vendia, muitas vezes, a estrangeiros de passagem pela cidade, hospedados no hotel nacional.

O hotel nacional era  o mais luxuoso complexo de hotel e comércio que existia na época, hoje um símbolo de como um conjunto de arquitetura e serviços pode parar no tempo, os quartos cheirando à fumaça de milhares de cigarros impregnada na madeira, janelas, cortinas, e pintura. O saguão imponente ostentando o mármore escurecido pelo tempo, a mobília antiga, e uma aparência leve de abandono que se estende a todo o prédio, sugerida por uma mistura de sinais de descuido por dentro e fora, paredes externas deixando ver aqui e ali resquícios de inúmeras camadas de tinta branca, e um level odor de azedo recobrindo as dependências, o jardim da entrada, e a ruazinha privada que corre por trás do complexo, portão de entrada dos suprimentos,  empregados, e serviços oferecidos pelo hotel.

Ainda tem vários cristais coloridos, guardados em casa desde aquela época. Vendeu muitos cristais aos estrangeiros, ele disse, embora não pudesse cobrar muito caro pelas pedras. Mas só pra quem vinha de outros países, porque brasileiros mesmo, esses olhavam e não tinham o menor interesse.

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